- Seguindo tendência global, mercado automotivo brasileiro avança na eletrificação da frota
“Os carros elétricos têm ganhado cada vez mais espaço nas ruas, vias e avenidas ao redor do mundo. Antes vistos como uma promessa distante e inapropriada, esse tipo de veículo acelera rumo a um cenário movido pela sustentabilidade. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), em 2035, metade dos veículos vendidos do planeta deverão ser elétricos. No Brasil, a revolução também avança: segundo a Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE), a meta de vendas de 150 mil passou para 160 mil unidades ao ano, refletindo o entusiasmo do mercado e dos consumidores.”
- O adensamento da cadeia produtiva do setor nuclear pode gerar mais empregos e renda para os brasileiros
Artigo de autoria de Raul Lycurgo Leite – Presidente da Eletronuclear
“Na “COP28”, a Conferência Mundial do Meio-Ambiente que ocorreu no final de 2023, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, mais de 23 países se comprometeram a triplicar a produção da energia nuclear até 2050 para cumprir as metas de descarbonização. Sem isso, ou seja, sem a energia nuclear, a meta de emissões de gases de efeito estufa para 2050, pactuada no Acordo do Clima de Paris de 2015, simplesmente não será atingida. E nesta lista de países que investirão na energia nuclear estão: EUA, Reino Unido, Canadá, França, Japão, Emirados Árabes Unidos, Finlândia, Coréia do Sul, Suécia, Holanda e Hungria, dentre outros.”
Começo este artigo com uma citação de Alexander Graham Bell, o inventor do telefone: “Quando uma porta se fecha, outra se abre. Mas muitas vezes nós ficamos olhando tanto tempo, tristes, para a porta fechada que nem notamos que se abriu outra pra nós”.
Na “COP28”, a Conferência Mundial do Meio-Ambiente que ocorreu no final de 2023, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, mais de 23 países se comprometeram a triplicar a produção da energia nuclear até 2050 para cumprir as metas de descarbonização. Sem isso, ou seja, sem a energia nuclear, a meta de emissões de gases de efeito estufa para 2050, pactuada no Acordo do Clima de Paris de 2015, simplesmente não será atingida. E nesta lista de países que investirão na energia nuclear estão: EUA, Reino Unido, Canadá, França, Japão, Emirados Árabes Unidos, Finlândia, Coréia do Sul, Suécia, Holanda e Hungria, dentre outros.
E não faltarão recursos financeiros, pois, já na largada, mais de 14 instituições financeiras expressaram apoio ao chamado à ação para triplicar a capacidade global de energia nuclear até 2050, dentre elas: Abu Dhabi Commercial Bank; ares Management; Bank of America; Barclays; BNP Paribas; Brookfield; Citi; Credit Agricole CIB; Goldman Sachs; Guggenheim Securities LLC; Morgan Stanley; Rothschild & Co.; Segra Capital Management e Société Générale.
Hoje são mais de 450 centrais nucleares operando no mundo e outras 60 sendo construídas. Só a China pretende construir, até 2035, mais 150 novas centrais nucleares.
Com o compromisso assumido pelas diversas nações na “COP28”, triplicar os investimentos em energia nuclear significará, especialmente para o Brasil, uma “larga avenida” de oportunidades. Afinal, somos um dos pouquíssimos países do mundo que, além de ter o conhecimento e o domínio de toda a cadeia/ciclo do combustível nuclear, ainda temos enterrado em nosso subsolo o urânio.
Temos a 8ª maior reserva de urânio do mundo e apenas estudamos, na década de 1970, 1/3 do nosso território. Ou seja, com as novas tecnologias e com o mapeamento do território brasileiro integral, certamente podemos subir – e muito – neste ranking, chegando, talvez, a ter a maior reserva de urânio do mundo.
E é por isso que o Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, recentemente disse que o Brasil pode ter um novo “pré-sal”, fazendo referência às reservas de urânio em nosso território.
E o urânio, após complexo processo de enriquecimento, é o combustível usado nestas usinas nucleares. Ou seja, podemos nos tornar exportadores de combustível nuclear para todas estas usinas mundialmente. Diga-se de passagem, produto de alto valor agregado. Apenas para se ter pequena noção, realizamos troca de combustível em nossas usinas nucleares uma vez por ano e, em cada troca, substituímos 1/3 do combustível existente no núcleo do reator. Para Angra 1, são 20.000kg de combustível nuclear por ano e, para Angra 2, são 30.000kg. Anualmente, gastamos mais de R$1.5Bi. Isso, inclusive, contribuiria, e muito, na nossa balança comercial.
É importante mencionar ainda que, para cada R$1 bilhão de investimentos na geração de energia nuclear, o impacto disso no PIB é de R$2 bilhões, sendo 80% desse impacto no estado do Rio de Janeiro, gerando mais de 22 mil empregos no Brasil e, ainda, um aumento de R$3,1 bilhões na cadeia produtiva brasileira.
Esses e outros dados são resultado de estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Não bastasse tudo isso, o mundo está focado no aumento expressivo da energia nuclear, não apenas para garantir as metas de emissão dos gases de efeito estufa em 2050, mas também para fazer frente à necessidade de muita energia limpa, firme e de base que será necessária para suportar a revolução tecnológica, já em andamento com a inteligência artificial, seus data centers e a massiva necessidade de energia que eles demandam.
O Departamento de Energia dos EUA, em junho de 2024, disse que os EUA precisarão de 900GW de energia firme, de base e limpa para conseguir atingir a meta de “net-zero emissions” até 2050. O desafio é gigantesco! O Brasil possui 200GW de potência instalada centralizada. Ou seja, somando todas as fontes de geração de energia elétrica no Brasil, temos 200GW. Assim, o desafio norte americano é construir, até 2050, um parque adicional de geração de energia elétrica firme, de base e limpa, de 4,5x o que existe no Brasil hoje.
A Agência Internacional de Energia, em seu Relatório 2024 – Analysis and Forecast to 2026 – informa que, no mundo, os data centers consumiram, em 2022, 460 TWh de energia e que, estima-se que, em 2026, com o avanço da inteligência artificial, os data centers consumirão mais de 1.000 TWh.
Diversas empresas privadas, dentre elas, Microsoft, Google, Amazon, Oracle, Nvidia começam a explorar o setor da energia nuclear como forma de prover seus data centers com energia limpa, firme e confiável.
Diversos países já anunciaram a retomada da energia nuclear não apenas como forma de garantir energia limpa e firme, mas também para garantir o desenvolvimento e a geração de empregos altamente especializados.
O parlamento da Suécia deu sinal verde para avançar com os planos de construir novas usinas nucleares. A Ministra das Finanças da Suécia, Elisabeth Svantesson, disse: “Isso cria as condições para a energia nuclear (…) Precisamos de mais produção de eletricidade, precisamos de eletricidade limpa e precisamos de um sistema energético estável.” Já a Ministra do Clima da Suécia, Romina Pourmokhtari, fala em construir 10 grandes centrais nucleares nos próximos 20 anos.
O Reino Unido pretende aumentar a geração nuclear em 4 vezes até 2050. O Primeiro-Ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, disse recentemente: “o nuclear é o antídoto perfeito para os desafios energéticos que a Grã-Bretanha enfrenta – é verde, mais barato a longo prazo e garantirá a segurança energética do Reino Unido a longo prazo” e que, até 2030, o setor nuclear britânico precisará de mais de 123.000 novos trabalhadores.
Na Índia, a Ministra das Finanças, Nirmala Sitharaman, disse que a energia nuclear deverá formar uma parte “muito significativa” da matriz energética para transformar a Índia em uma nação completamente desenvolvida até 2047, sendo que, por lá, já são 23 centrais nucleares em funcionamento e mais 7 em construção. E, para atingir seu objetivo, a Índia planeja convidar empresas privadas para investir cerca de US$ 26 bilhões em seu setor de energia nuclear.
Na mesma direção está a Itália. O Ministro do Meio Ambiente e Segurança Energética italiano, Gilberto Pichetto Fratin, disse: “Para termos garantia de continuidade na energia limpa, precisamos inserir uma cota de energia nuclear. Tecnologias renováveis como a energia solar e eólica não podem fornecer a segurança de que precisamos”. Mas a ITÁLIA não pretende que investimentos públicos sejam a mola propulsora desta mudança. O próprio Ministro Gilberto Pichetto, em uma entrevista ao jornal La Repubblica, disse que “Possivelmente serão os distritos industriais ou empresas individuais de energia que se equiparão com reatores de quarta geração menores. O Estado será apenas um regulador”.
O Departamento de Energia dos EUA, em comunicado de 08/10/2024, afirma que os EUA já estão investindo no adensamento da cadeia produtiva do combustível nuclear das atuais e futuras usinas nucleares deles.
“Construir uma cadeia de fornecimento de combustível nuclear nacional forte e confiável ajudará nossa nação a atingir as ambiciosas metas ao mesmo tempo em que protegerá o meio ambiente e criará empregos bem remunerados e de alta qualidade”, disse o vice-secretário de Energia dos EUA, David M. Turk.
“O governo federal sabe que a energia nuclear é essencial para acelerar o futuro da energia limpa dos Estados Unidos”, disse o assistente do Presidente BIDEN e conselheiro nacional do clima Ali Zaidi. “Aumentar nosso fornecimento doméstico de urânio não apenas promoverá a agenda climática histórica do presidente Biden, mas também aumentará a segurança energética dos Estados Unidos, criará empregos bem remunerados e fortalecerá nossa competitividade econômica. O caminho para maior segurança energética e mais soluções climáticas passa por investimentos como esses, feitos em escala histórica pelo presidente Biden. É uma boa notícia para nossa economia, para a força de trabalho sindical dos Estados Unidos e para nosso planeta.”
Será que só nos EUA, Suécia, Reino Unido, Índia, Itália etc. que o adensamento da cadeia produtiva da energia nuclear “criará empregos bem remunerados e fortalecerá a cadeia produtiva e a competitividade econômica?”
Isso tudo significa que as nossas oportunidades são gigantescas e em um setor extremamente tecnológico e de alto valor agregado cujo minério – urânio – está enterrado em nosso território, mas é preciso agir e agir rápido para não ficarmos para trás nesta corrida pela energia limpa, firme e confiável e para aproveitarmos as oportunidades no momento certo.
Como diria o escritor William Arthur Ward: “as oportunidades são como o nascer do sol; se você esperar demais, vai perdê-las”.
Sobre o autor:
*Raul Lycurgo Leite é advogado, procurador federal e Presidente da Eletronuclear.
- Transformação Digital: A Inovação em Três Dimensões
“Se jogar xadrez já é desafiador, imagine a complexidade de jogá-lo em 3D, uma verdadeira inovação na arte da estratégia. Neste formato, as peças não apenas se movem como de costume, mas também podem se deslocar para cima ou para baixo, nas três camadas do tabuleiro. E como isso se compara ao setor de energia e à transformação digital?
Texto gerenciado pelo FIT Instituto de Tecnologia.”
As grandes tendências e cenários para o futuro do setor elétrico
O Acordo de Paris, firmado em 2015, visa alcançar a descarbonização das economias mundiais e estabelece, como um dos seus objetivos de longo prazo, o limite do aumento da temperatura média global a níveis abaixo dos 2ºC em relação aos níveis pré-industriais.
Texto assinado por Nivalde de Castro e Vitor Santos.
As grandes tendências e cenários para o futuro do setor elétrico. Por Nivalde de Castro e *Vitor Santos
INTRODUÇÃO
“O Acordo de Paris, firmado em 2015, visa alcançar a descarbonização das economias mundiais e estabelece, como um dos seus objetivos de longo prazo, o limite do aumento da temperatura média global a níveis abaixo dos 2ºC em relação aos níveis pré-industriais. Além disso, o compromisso determina que sejam realizados esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC, reconhecendo que isso reduzirá significativamente os riscos e impactos das alterações climáticas, em linha com o Relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, apresentado em 2019. Nessa perspectiva, a neutralidade de carbono em 2050 reúne, hoje, um amplo consenso social em termos globais, dependendo de uma transição energética baseada em três pilares: descarbonização, descentralização e digitalização, muitas vezes designados pelos 3 D’s. O resultado das eleições presidenciais dos EUA, se seguir a rota do primeiro mandato, deverá prejudicar as metas firmadas, porém os eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes e intensos, deverão prevalecer sobre os interesses econômicos norte-americanos. No que diz respeito à descarbonização, a integração e ampliação crescente das fontes renováveis na produção de eletricidade, a promoção de eficiência energética, a eletrificação (verde) crescente da sociedade, a utilização do hidrogênio verde (H2V) e a captura e o armazenamento de carbono são tendência tecnológicas e fatores determinantes para a descarbonização da economia e da sociedade, pois os padrões de consumo serão alterados. A geração distribuída e a perda de importância das economias de escala na produção, a mobilidade elétrica, a gestão da demanda de energia elétrica, de forma a introduzir maior flexibilidade no setor elétrico, e o aumento da relevância dos prossumidores são alguns dos aspetos que caracterizam a descentralização do setor elétrico. Finalmente, os veículos elétricos e autônomos, os edifícios inteligentes, o machine learning, o blockchain, o big data analytics, o digital twin e as redes inteligentes são exemplos da relevância da digitalização no setor elétrico. Deve-se ainda sublinhar duas dimensões adicionais relacionadas às inovações que permitiram impulsionar o processo de transformação que está em curso no setor elétrico: I) A inovação organizacional decorrente do processo de liberalização do setor elétrico, que teve início nos 1990 e alterou completamente o quadro de incentivos de funcionamento do setor; II) A inovação tecnológica e organizacional, com reflexos ao longo de todos os segmentos da cadeia de valor, que foi absolutamente instrumental para viabilizar a transição energética. Assim, observa-se que a transição energética terá uma influência decisiva nas tendências de evolução futura do setor elétrico, com reflexos em alterações disruptivas nas tecnologias de produção e nas redes, na organização e nos desenhos de mercado do setor elétrico e no empoderamento do consumidor.
1 - UM NOVO PARADIGMA TECNOLÓGICO E ORGANIZACIONAL E O EMPODERAMENTO DOS CONSUMIDORES No paradigma “clássico” de organização do setor elétrico, a produção remota e centralizada segue a demanda, com base em um fluxo de energia de sentido único, monitorado através de um sistema de comunicações e de automação limitada, ao longo de uma rede passiva na entrega de energia elétrica aos consumidores domésticos e industriais. Ademais, tendo por base uma estrutura de custos variáveis elevados (custos dos combustíveis) e uma produção centralizada de grande dimensão que assegurava a continuidade e previsibilidade de fornecimento, a produção de energia constituía-se como o fator determinante de flexibilidade perante uma demanda variável e muito pouco flexível. No balanceamento entre a demanda e a oferta de energia, a flexibilidade estava basicamente centrada na gestão da produção. Contudo, a penetração crescente dos novos recursos de energia renovável, com produção variável e descentralizada em unidades geradoras de pequena dimensão, reduziu a flexibilidade do lado da oferta e suscitou na necessidade de valorizar mecanismos de flexibilidade, incentivando o armazenamento e a gestão da procura. Assim, o setor da energia atravessa um período de mudanças estruturais que sugerem uma visão de futuro bastante diferente do cenário atual, quer para os operadores e agentes do setor, quer para os consumidores. A inovação tecnológica ao nível da produção de energia elétrica aponta para uma redução significativa da escala econômica dos projetos, viabilizando a produção local de energia a partir de fontes renováveis, como a energia solar fotovoltaica e eólica. Além disso, as redes de energia incorporam cada vez mais inovação (redes inteligentes), sendo mais automatizadas, o que permite melhores níveis de qualidade de serviço, a participação de novos agentes, a oferta de novos serviços e a emergência de novos modelos de negócio. A inovação afeta também a forma de consumir energia. Os consumidores estavam no fim da linha, tinham uma função passiva e consumiam a eletricidade com tarifas reguladas. Com a crescente abertura do mercado, determinado pela separação das atividades de distribuição e comercialização, os consumidores poderão escolher uma empresa responsável pela comercialização. Além disso, os consumidores, agora vistos como clientes, passarão a ser protagonistas cada vez mais proativos, acumulando as funções de microprodutores e micro armazenadores e utilizando as suas próprias instalações de consumo e produção para prestarem serviços ao sistema e às redes (prossumidores). A abertura do mercado irá incentivar, também, os da energia traz novos desafios, problemas e oportunidades para os consumidores. As empresas que atuam no setor energético são, por isso, chamadas a atuar como intermediárias dessa complexidade, assegurando a satisfação do consumidor e minimizando o esforço necessário para participar do mercado elétrico. Observa-se que o planejamento e a operação das redes e das infraestruturas de eletricidade incorporam um contexto de maior incerteza neste período de mudanças estruturais no setor energético. Deste modo, a complementaridade e cooperação entre os operadores das redes de transmissão e distribuição é um desafio que assume uma relevância crescente. Deve-se encontrar, também, os meios adequados para incorporar mais energia renovável nas redes, promovendo simultaneamente a eficiência global do sistema elétrico e a segurança de abastecimento de médio prazo. Em um modelo liberalizado, como o do setor elétrico dos países da União Europeia, as decisões dos consumidores e dos agentes do mercado dependem da consistência e do alinhamento dos sinais econômicos, que são transmitidos nos vários segmentos da cadeia de valor. A regulação setorial, os operadores das redes e os gestores de sistema são centrais na definição desses sinais econômicos aos quais o mercado e os consumidores são expostos. Portanto, deve-se estabelecer metodologias de regulação que induzam comportamentos adequados no sentido da concretização dos objetivos da política energética. Os desenhos do mercado elétrico e dos instrumentos e mecanismos de regulação devem ser aprimorados ao longo do processo, de forma a proporcionarem um ambiente favorável à concretização do investimento e à incorporação de nova tecnologia e inovação, além de incentivarem o envolvimento dos consumidores no centro das decisões. Deste modo, busca-se assegurar a sustentabilidade econômica e ambiental do setor energético, mantendo, afirmando e estimulando a concorrência no funcionamento dos mercados.
2 - A ELETRIFICAÇÃO COMO VETOR CENTRAL NA DESCARBONIZAÇÃO A eletrificação é uma opção absolutamente estratégica para a descarbonização da economia e da sociedade. O crescimento da produção renovável baseada nas fontes eólica e solar apresenta vários objetivos, com reflexos em alterações estruturais profundas da economia, com destaque para: I) Dar continuidade à processos industriais em que a eletricidade não é eficiente e, descarbonização do setor elétrico, sobretudo nos países onde a geração fóssil tem um peso expressivo na matriz; II) Criar condições propícias à descarbonização da indústria eletrointensiva, através da sua eletrificação crescente, até onde for possível, e, complementarmente, da utilização de gases renováveis nos processos industriais em que a eletricidade não é eficiente e, muitas vezes, sequer exequível; III) Promover a descarbonização dos sistemas de transporte, através da mobilidade elétrica e da utilização de gases renováveis; IV) Estimular a renovação energética do parque nacional de edifícios existentes e a descarbonização dos seus consumos de energia, nomeadamente através da eletrificação; V) Proceder a reindustrialização baseada no desenvolvimento das indústrias verdes e da digitalização, através da metamorfose das matrizes energéticas não renováveis para renováveis. Essas mutações estruturais suscitam alguns desafios relevantes para o desenvolvimento do setor elétrico. O primeiro deles é que a transição energética exige um esforço de investimento muito expressivo durante as próximas décadas. Para atingir esse objetivo, é preciso criar um ambiente propício ao investimento através de um redesenho do mercado elétrico, bem como proceder a minimização das barreiras à entrada, facilitando, nomeadamente, o licenciamento da geração renovável e das redes de transmissão e distribuição de energia elétrica. Um outro tema da maior relevância para assegurar o desenvolvimento da eletrificação passa pela superação das condicionantes associadas à integração das energias renováveis no setor elétrico, nomeadamente os problemas decorrentes da intermitência dessas fontes na gestão de sistema. Nessa direção, será necessário desenvolver políticas públicas e inovações regulatórias, para criar mecanismos de flexibilidade no setor elétrico, através do instrumento de resposta da demanda, dos sistemas de armazenamento de baterias e das usinas hidrelétricas reversíveis. Além disso, as tarifas da eletricidade devem ser, por suposto, acessíveis aos consumidores domésticos, especialmente os mais vulneráveis, e não deverão colocar em risco a competitividade dos consumidores industriais eletrointensivos. Por fim, a infraestrutura de transmissão e distribuição de energia elétrica deve ser ampliada, modernizada e digitalizada, porém com custos eficientes e tendo por base metodologias de planejamento das redes ajustadas aos novos desafios da transição energética.
3 - HIDROGÊNIO VERDE, DESENVOLVIMENTO DAS INDÚSTRIAS VERDES E DESCARBONIZAÇÃO DAS ATIVIDADES “HARD TO ABATE” A aceleração da transição energética e a descarbonização da economia sugere a necessidade de promover a produção e a incorporação de quantidades crescentes de H2V, de forma a viabilizar a substituição expressiva dos combustíveis fósseis nos setores em que a eletrificação não parece ser uma solução eficiente do ponto de vista custo-eficaz e, muitas vezes, não é uma solução tecnicamente ajustável.
Nesta perspectiva, o hidrogênio é um portador de energia com elevada intensidade energética e, por isso, poderá ser uma alternativa de substituição dos combustíveis fósseis em algumas atividades industriais hard to abate (refinação, químicas pesadas, produtos siderúrgicos, etc.), impulsionando uma futura onda tecnológica da mobilidade a hidrogênio do transporte rodoviário pesado de passageiros e mercadorias. Inicialmente, havia uma ambição excessiva muito influenciada pela crença de que o desenvolvimento da produção do hidrogênio poderia replicar o processo de crescimento e de globalização rápido do gás natural liquefeito (GNL). Todavia, ao contrário do H2V, o GNL era muito competitivo em relação ao propano e tinha custos associados ao transporte muito mais baixos do que o hidrogênio. Hoje, contudo, prevalece a opinião de que, pelo menos no curto e médio prazo, o H2V deve ser produzido e consumido nos polos industriais onde estão instalados os offtakers, de modo a consolidar uma posição competitiva para a exportação de produtos verdes, como, por exemplo, os fertilizantes verdes, bem como os combustíveis renováveis ou o aço verde. O relatório anual sobre os desenvolvimentos do H2V, publicado recentemente pela Agência Internacional de Energia (AIE), permite concluir que houve uma evolução muito favorável em 2023 e com expectativas muito positivas para 2024 em todos os níveis, como dinamização do investimento, inovação com reflexos na redução do gap de custos com o hidrogênio de base fóssil, políticas de dinamização da procura de forma a viabilizar a oferta, avanços no reconhecimento mútuo das certificações, entre outros. A América Latina e, em particular, o Brasil são destaque no relatório da AIE, que sublinha as vantagens competitivas do hidrogênio brasileiro, ressaltando o elevado potencial da produção renovável nacional e, ainda, a circunstância de o país dispor de um setor industrial moderno, bem dimensionado e competitivo à escala global, que já está tomando decisões estratégicas no desenvolvimento do H2V. Por fim, o relatório destaca dois clusters em que o Brasil tem uma inequívoca vantagem competitiva: a substituição das importações de fertilizantes e, assim como na China, a exportação de aço verde.
4 - IMPACTOS MUITO EXPRESSIVOS DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS NO SETOR ELÉTRICO Os cenários atualmente existentes apontam para impactos muito expressivos das alterações climáticas, com reflexos em uma maior intensidade e frequência dos eventos climáticos extremos, como os temporais intensos, as secas frequentes, os incêndios rurais de grande magnitude, as ondas de calor e a erosão costeira. Os riscos mais relevantes no setor elétrico refletem-se no aumento da procura de energia para arrefecimento das temperaturas, na redução do potencial hídrico e da eficiência das térmicas e das redes e, ainda, nos impactos dos eventos climáticos extremos nas infraestruturas de geração e, sobretudo, nas redes de transmissão e distribuição. Além disso, o risco de disrupções na oferta de energia pode atingir, em cascata e com efeitos multiplicadores muito transversais, a grande maioria dos setores econômicos e condicionam, ainda, a segurança alimentar e energética, o acesso à água, a estabilidade econômica, social e financeira e a saúde. As publicações de estudos mais recentes têm contribuído para melhorar o conhecimento sobre os riscos climáticos por parte da sociedade e das entidades públicas, facilitando, assim, a formulação de políticas de mitigação e adaptação mais consistentes e fundamentadas. Entretanto, ainda é necessário melhorar a coordenação entre as diferentes políticas setoriais, como energia, meio-ambiente, recursos hídricos, transportes, indústrias eletrointensivas, entre outras. Deste modo, deve-se, com urgência, internalizar os riscos climáticos nas decisões de política energética em diversos níveis: I) No que diz respeito à segurança energética, é importante buscar a melhoria da eficiência energética, desenvolver mecanismos de flexibilidade (demand-side response e armazenamento), reforçar as interligações entre os países e consolidar as redes inteligentes; II) Os riscos climáticos devem ser internalizados nos diferentes instrumentos de política energética, com iniciativas de mitigação, planeamento de redes e promoção da inovação, ganhando destaque em decorrência do longo tempo de vida útil médio das infraestruturas energéticas; III) Valorização da equidade e da justiça social, visando o acesso a serviços energéticos eficientes e a habitações com adequado desempenho energético, assim como a mitigação da pobreza energética, que tenderá a se agravar com as alterações climáticas; IV) Incentivo à internalização dos riscos climáticos nas decisões de investimento das empresas de energia, com o conhecimento dos riscos climáticos e uma regulação por incentivos que estimule decisões de investimento focadas na resiliência das redes.
5 - TRANSIÇÃO ENERGÉTICA E O DISTRIBUIDOR DO FUTURO
As distribuidoras tradicionalmente possuem as funções de realizar a operação e manutenção da rede, considerando os objetivos de acesso às redes, segurança de abastecimento, qualidade do serviço, gestão das perdas e acesso transparente à informação, e planejar a sua expansão. Além disso, existem temas relevantes que podem ser invocados, como a segurança de abastecimento e o fato de a energia elétrica ser um bem público essencial com um peso social incontornável, nomeadamente nas seguintes dimensões: I) Proteção dos consumidores mais vulneráveis; II) Garantia do acesso universal a uma energia segura e com preços módicos; III) Mitigação dos impactos negativos da pobreza energética.
IV) Mais recentemente, a consolidação da resiliência das redes face aos eventos climáticos extremos. Destaca-se que a transição energética está relacionada a uma mudança de paradigma tecnológico e organizacional nas atividades de um operador da rede de distribuição. A título ilustrativo, mencionam-se os seguintes exemplos: a integração crescente das renováveis na produção de eletricidade, a geração distribuída, a mobilidade elétrica, a resposta da demanda e a relevância crescente do armazenamento, o que introduz maior flexibilidade no setor elétrico e aumenta a relevância dos prossumidores. Contudo, o avanço das reformas em curso visando a aceleração da transição energética, com impacto direto e indireto nas redes de distribuição, possibilita a criação de mecanismos de flexibilidade e prestação de serviços ancilares, a promoção da digitalização das redes (roll-out dos medidores inteligentes e investimento nas redes inteligentes), o desenvolvimento de inovações regulatórias baseadas em projetos-piloto, entre outros. Neste último caso, verificam-se atividades que saem do campo mais estrito das atribuições das distribuidoras, porém estas podem desenvolver iniciativas vistas como de interesse público, já que permitem superar uma falha de mercado, ou seja, situações em que não exista oferta de agentes privados ou, mesmo que esta exista, atividades que possam apresentar um mercado insuficientemente competitivo. O peso crescente da energia injetada nas redes de distribuição (renováveis, cogeração e geração distribuída) origina a inversão dos fluxos, o que torna mais exigente a operação, além de um reforço da cooperação entre as distribuidoras e as transmissoras.
6. SEGURANÇA CIBERNÉTICA
As tendências recentes de desenvolvimento do setor elétrico, muito marcadas pela transição energética e pela descarbonização da economia, indicam que a segurança cibernética será uma dimensão crítica com relevância crescente nas próximas décadas. O desenvolvimento das redes e da contagem inteligente, a importância crescente da produção descentralizada e da geração distribuída, a difusão da mobilidade elétrica na prestação de serviços de sistema e a valorização da gestão flexível da demanda irão contribuir para o avanço da digitalização e da automação do setor elétrico, que tenderão a se acentuar com a emergência das comunicações 5G. O aparecimento de novos agentes, como, por exemplo, as comunidades de energia, os agregadores, os prestadores de serviços de flexibilidade e os prossumidores, contribui para um aumento expressivo no número de participantes no mercado, muitos deles sem competências especializadas na cibersegurança ou na certificação dos equipamentos e dos sistemas de informação. Finalmente, a evidência empírica sugere que os ataques cibernéticos no setor elétrico são cada vez mais frequentes e causam danos mais expressivos, o que é uma consequência incontornável da digitalização. Naturalmente, os ataques cibernéticos não põem em causa a tendência pesada de longo prazo, mas indicam a necessidade de atuações adequadas que minimizem os riscos relacionados.
CONCLUSÕES
A dinâmica de desenvolvimento futura do setor elétrico será, certamente, muito influenciada pela transição energética, que envolve os seguintes vetores: I) A inovação organizacional decorrente do processo de liberalização do setor elétrico, com início nos 1990 e que alterou completamente o quadro de incentivos e desenhos de mercado do funcionamento do setor; II) As preocupações com a sustentabilidade ambiental e, especialmente, com os efeitos das emissões de CO2 nas alterações climáticas; III) A integração das novas fontes renováveis no sistema elétrico, visando a redução das emissões de CO2, acabou por se refletir em mudanças profundas no funcionamento elétrico, com a descentralização, a flexibilização da demanda e a digitalização intensiva do setor; IV) As inovações tecnológica, organizacional e regulatória, com reflexos ao longo de todos os segmentos da cadeia de valor, foram absolutamente instrumentais para viabilizar a transição energética. Em um modelo de mercado liberalizado, como o do setor elétrico, as decisões dos consumidores e dos agentes do mercado dependem da consistência e do alinhamento dos sinais econômicos que são transmitidos nos vários segmentos da cadeia de valor. A regulação setorial, os operadores das redes e os gestores de sistema são centrais na definição dos sinais econômicos aos quais o mercado e os consumidores são expostos. Portanto, deve-se empregar metodologias de regulação que induzam comportamentos adequados no sentido da concretização dos objetivos da política energética.
Além disso, os desenhos do mercado elétrico e dos instrumentos e mecanismos de regulação devem ser aprimorados ao longo do processo, de modo a proporcionar um ambiente favorável à concretização do investimento e à incorporação de novas tecnologias e inovação, além de incentivar o envolvimento dos consumidores no centro das decisões, assegurando a sustentabilidade econômica e ambiental do setor energético e afirmando a concorrência no funcionamento dos mercados, sempre considerando a busca pela modicidade tarifária. *Vitor Santos é Professor Catedrático do ISEG- Instituto Superior de Economia e Gestão – da Universidade de Lisboa.”
- Desafios para a transição energética
“Na coluna da edição passada abordamos o tema de forma preliminar e na medida em que os efeitos climáticos catastróficos ocorrem pelo mundo, alguns “culpados” são eleitos, sendo as emissões de gases sempre indicadas. Existem aqueles que defendem que as mudanças climáticas aconteceriam mesmo sem o aumento das emissões. Cada um tem a sua licença poética, entendimento e pensamento livre.
Coluna assinada por José Starosta.
“Fato é que, o caminho para o combate às emissões passa pela transição energética e que em poucas palavras pode ser entendida como a substituição das fontes convencionais de energia que utilizam combustíveis fósseis causando as emissões de gases chamados de “GHG” (greenhouse gas, ou gases de efeito estufa). As fontes renováveis são em princípio isentas de emissões, sendo a base da transição energética. Em princípio, pois existem autores que defendem que a produção de equipamentos aplicados na geração de energias renováveis utilizaria energia não renovável em sua produção, além de causar impactos ambientais no descarte desses equipamentos.
A forma mais barata de se obter redução de emissão de gases é mediante o aumento da eficiência energética em processos, mas a eficiência energética não é suficiente para sozinha resolver o problema e os outros pontos de interesse desse processo se concentram em ações de:
• Geração de energia fotovoltaica, eólica, hidráulica, biomassa e outras sem emissão como a tecnologia da produção do hidrogênio verde.
• Geração térmica nuclear, sempre excluída das discussões que apesar de produzir lixo atômico não emite os gases citados.
• Uso de Etanol como combustível apresenta significativa redução de emissões em relação a gasolina clássica ou Diesel.
• Uso de mobilidade elétrica com aplicação de veículos elétricos (automóveis, transporte público em geral, veículos de duas rodas, carros voadores como os “eVTOL” (sigla em inglês para veículo elétrico de pouso e decolagem vertical) e outros equipamentos que vêm sendo projetados e ainda não existem.
• Na área de equipamentos elétricos, observa-se o desenvolvimento de sistemas de proteção, manobra e outros isentos de gases como o SF6, também classificado como GHG.
Naturalmente essa a lista é preliminar e muita coisa pode ser feita adicionalmente.
Os desafios
No CINASE que ocorreu em Brasília na primeira semana de novembro, o tema foi bastante discutido e alguns pontos importantes merecem atenção, sendo necessário uma análise cuidadosa dos desafios para a transição energética,
Nesse “novembro vermelho” a ANEEL anunciou a tarifa vermelha-patamar 2, decisão técnica tomada em função do esvaziamento dos lagos das hidrelétricas e redução da “energia” acumulada. Decorrente dessa redução da capacidade das hidrelétricas, se faz necessário o aumento da produção das usinas térmicas com uso de combustíveis fósseis com custos maiores que os primeiros e com maiores impactos no custo da energia gerada.
Notar que apesar do aumento contínuo da produção das energias fotovoltaicas e eólicas não há como compensar o esvaziamento dos reservatórios das usinas hidráulicas pois a robustez do sistema elétrico é necessária. A robustez depende da potência de curto-circuito, alta disponibilidade e outras variáveis, características não presentes nas fotovoltaicas e eólicas, por exemplo.
Pelo lado dos consumidores os desafios estão relacionados a falta de infraestrutura tanto nas redes públicas de distribuição de energia como nas próprias instalações elétricas internas destes e os investimentos de adequação das infraestruturas internas caberão aos próprios consumidores.
A substituição da frota dos ônibus com motor diesel por elétricos; uma das principais premissas da mobilidade elétrica, tem um importante desafio de implantação, pois os circuitos de distribuição em média tensão possuem demandas máximas de atendimento reguladas em 2.500kW, suficiente para atender uns 15 carregadores (excluindo-se o consumo próprio da garagem), valor não suficiente em cidades com alta densidade de população como as capitais brasileiras. A solução, montagem de subestações com suprimento em alta tensão, nem sempre é possível em centros urbanos, considerando a distribuição aérea.
Em instalações prediais e comerciais a instalação de carregadores elétricos de veículos nas garagens também depende de disponibilidade de carga da instalação, pois as premissas iniciais de projeto não consideram o atendimento às cargas de uso contínuo como é o caso. Cuidados adicionais com a instalação de carregadores devem considerar premissas de usos das demandas disponíveis projetadas tanto individualmente como coletivamente. Temos observado em visitas técnicas, práticas inadequadas em condomínios com acréscimo de cargas sem os cuidados associados, instalação de circuitos independentes e outras intervenções que comprometem o conceito original do projeto elétrico das edificações e principalmente as demandas consideradas.
A automação disponível por alguns modelos de carregadores com o controle de carga em função da demanda disponível na infraestrutura é uma ferramenta importante que parece ser a saída para a situação e que deve envolver a participação da distribuidora liberando acesso para a instalação de sensores e transformadores de correntes nas áreas de correntes não medidas. Por sua vez, as distribuidoras terão que investir nas redes de distribuição, levando a necessidade para todo sistema elétrico.
O investimento vultoso a ser feito pelo Brasil com o PNTE – Plano Nacional de Transição Energética com potencial de investimento de 2 trilhões de Reais, não isenta os consumidores das responsabilidades em suas instalações.”
Sobre o autor:
Por: Eng José Starosta – Diretor da Ação Engenharia e Instalações Ltda – jstarosta@acaoenge.com.br